Há 30 anos, eleição indireta encerrava regime militar
Deputados que votaram no Colégio Eleitoral comentam os acontecimentos
que culminaram na eleição de Tancredo Neves.
Em 15 de janeiro de 1985, a chuva forte em Brasília não impediu que uma
multidão se concentrasse em frente ao Congresso, parte abrigada sob uma
bandeira nacional, alguns escalando as cúpulas de concreto. Lá dentro, com
plenário e galerias lotados, Tancredo Neves era eleito o primeiro presidente
civil no País em 21 anos, pelo mesmo instituto criado pelos militares para
eleger seus generais: o Colégio Eleitoral.
Na sessão, que durou cerca de três horas e meia, Tancredo derrotou o
candidato do extinto PDS, Paulo Maluf, que não tinha apoio unânime entre os
militares. Foram 480 votos contra 180. A vitória veio no voto do deputado João
Cunha (PMDB-SP), o de número 344, que garantiu a maioria ao candidato da
oposição. “Tenho a honra de dizer que o meu voto enterra a ditadura funesta que
infelicitou a minha pátria”, disse, entre aplausos, pouco depois das 11h30
daquela terça-feira. Quase uma hora depois, Tancredo Neves leria seu discurso
da vitória. “Esta foi a última eleição indireta do País. Venho para realizar
urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas indispensáveis ao
bem-estar do povo”.
Da mesma forma que na bancada do PDS (originário da antiga Arena,
partido do governo militar) grande parte dos deputados votou em Tancredo, na
oposição nem todos o escolheram. O diretório nacional do PT decidiu pela
abstenção, por avaliar que o partido deveria continuar na luta por eleições
diretas. Dos oito deputados, três – Bete Mendes, Ayrton Soares, então líder da
bancada na Câmara, e José Eudes – votaram a favor de Tancredo e foram expulsos
do PT.
Deputado à época, o senador Eduardo Suplicy (SP) diz que seguiu a
orientação do diretório. “Discutimos muito o assunto entre nós, mas no fim
prevaleceu a decisão do partido, embora tivéssemos por Tancredo grande respeito
e admiração”. Suplicy lembra-se de ter encontrado o político mineiro nos
corredores da Câmara e dito a ele que continuaria na luta pelas Diretas Já.
“Tancredo entendeu e respeitou minha decisão”, relata.
A estratégia
As negociações que culminaram na candidatura de Tancredo pela Aliança
Democrática começaram oficialmente logo após a derrota da emenda Dante de
Oliveira (das Diretas) na Câmara. Integrante da dissidência do PDS à época, o
deputado Simão Sessim (PP-RJ) lembra que o grupo se formou a partir da vitória
de Paulo Maluf na convenção do partido, derrotando Mário Andreazza, que tinha
apoio amplo entre os militares.
“Houve um movimento grande de rebeldia dentro do partido e fomos pedir
ao vice-presidente Aureliano Chaves que liderasse a ala dissidente contra a
orientação oficial”. A partir daí, a convergência para a candidatura de
Tancredo Neves, tendo como vice o indicado pelos dissidentes, José Sarney, foi
natural. “Tancredo era o nome de todas as forças, respeitado, inatacável sob
todos os aspectos, a figura política mais importante daquela época”, afirma
Sessim.
Já o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que era do PDS e votou em
Maluf no Colégio Eleitoral, afirma, inclusive, que Tancredo teria influenciado
a vitória de Maluf contra Andreazza na convenção do PDS, já que Maluf, sem
consenso no partido e entre os militares, seria opositor mais fácil de vencer
no Colégio Eleitoral.
“Tancredo tinha sido do antigo PSD, e muitos parlamentares da Arena,
também vindos do PSD, tinham amizade e simpatia por ele”, relata. “Como hábil
negociador, ele viu nas discordâncias entre o vice-presidente da República,
Aureliano Chaves, e militares, uma chance de atrair dissidentes”.
O legado da redemocratização
Os parlamentares são unânimes em um ponto: ao colocar um fim no ciclo dos
presidentes militares, a vitória de Tancredo abriu o caminho para a normalidade
democrática no Brasil. “Havia um anseio, entre todos os segmentos da sociedade,
para que caminhássemos em direção ao fim do arbítrio”, lembra o deputado Mauro
Benevides (PMDB-CE), que em 1987/88 foi 1º vice-presidente da Assembleia
Nacional Constituinte. “A vitória de Tancredo representou um passo decisivo
para que o Brasil, além da redemocratização, tivesse, três anos depois, a
Constituição que Ulysses Guimarães chamou de cidadã”.
Para Roberto Freire (PPS-SP), à época deputado pelo PMDB, foram a
mobilização popular pelas diretas já e as lutas pela redemocratização, que
vinham desde a década de 1970 com participação de vários deputados, as
responsáveis pela vitória na eleição indireta. “Naquele momento, o povo
brasileiro estava nas ruas. Quando elegemos Tancredo Neves, elegemos a
liberdade e a democracia”. Na avaliação de Simão Sessim, os próprios militares
sabiam que o processo de redemocratização era irreversível.
Vice empossado
Presidente eleito, Tancredo Neves não assumiu o cargo. Na noite de 14
de março, véspera da posse, foi internado no Hospital de Base de Brasília com o
diagnóstico de diverticulite. Morreu em 21 de abril.
Foi empossado como presidente da República o vice, José Sarney, a quem
coube conduzir o processo de redemocratização e convocar a Assembleia Nacional
Constituinte, em 1987. Em 1989, na primeira eleição direta para a Presidência
da República após o regime militar, foi vencedor Fernando Collor.
‘Agência Câmara Notícias’
Imagem: internet
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